Alcione Albanesi tem pressa em transformar vidas

Alcione Albanesi entra na sala cantando um forró, braços para o alto, com o magnetismo de uma mulher que sabe como se tornar próxima de todo tipo de gente. Naquela manhã, antes de falar com a Velvet, já tinha ido a um café e a duas reuniões com empresários em busca de apoio para o projeto Amigos do Bem. E não era nem meio-dia.  Encontrá-la em São Paulo é sempre difícil: ela passa quase metade de todos os meses do ano nas cidades nordestinas atendidas pela Amigos.

Alcione sempre teve pressa. Nasceu aos sete meses. “Não sei quando vou morrer porque ninguém sabe quando é o último dia, então eu quero fazer tudo o que eu posso o mais rápido possível. E fazer bem feito. Essa coisa de falar que é devagar que se vai longe, eu acho que não precisa ser tão devagar assim.  Todos os meses vejo casas de barro onde não tem comida, as pessoas andam quilômetros em busca de água… Ou seja, precisamos correr, estamos atrasados”, pontua.

Fôlego e aceleração empreendedora A trajetória de Alcione nos negócios é intensa, precoce e veloz. Junto à urgência, ela já nasceu com o empreendedorismo no sangue. Quando criança, sempre procurava brincadeiras que poderiam remeter à venda de alguma coisa para um vizinho, um parente. Na adolescência, começou a trabalhar como modelo. Mas nos desfiles percebeu que quem ganhava dinheiro  mesmo era quem produzia as roupas. Aos 16 anos, abriu uma confecção. Aos 18, já era dona de fábrica no interior de São Paulo, liderava 80 funcionários e fornecia para grandes lojas de departamento do país. “Na minha cabeça tudo é muito mais fácil do que realmente é. As pessoas sofrem para me dizer ‘Alcione, não é tão fácil’. Na minha mente, as coisas sempre são possíveis de serem feitas”, ela reconhece.

A motivação maior da empresária

Voltou para a China, descobriu lâmpadas eletrônicas econômicas. “Pensei: essas lâmpadas serão o futuro. Me chamaram de maluca. Dessa vez fui lá, encontrei, comprei. Aí nos anos 1990 o Brasil sofre com os apagões e todo mundo resolve trocar as lâmpadas incandescentes pelas mais modernas e econômicas”, conta. Foi assim que nasceu a FLC Lâmpadas, empresa que chegou a deter quase 40% do mercado de lâmpadas, à frente de multinacionais tradicionais. Em 2014, trouxe a primeira fábrica de lâmpadas LED para o Brasil. Nesse mesmo ano, uma nova reviravolta. Alcione decide se afastar da FLC para atender com exclusividade um chamado importante: transformar vidas. Ela percebeu que precisava se dedicar integralmente à Amigos do Bem, porque ela achava que os avanços estavam muito devagar — isso implicaria em passar mais tempo no Nordeste e seria incompatível com a rotina da empresa.

Aqui, vale um adendo para explicar as origens desse chamado. Alcione é filha de Guiomar de Albanesi e Serafim Albanesi, fundadores de diversas creches em comunidades de São Paulo. Foi ajudando em uma dessas creches que Alcione ouviu de uma moradora que, em São Paulo, quando se tem fome e precisa de ajuda, tem tanta gente, que alguém vai acabar ajudando. Mas, no sertão nordestino, “não tem nada para pedir para ninguém”. Com essa frase ecoando, entre o Natal de 1992 e a virada de ano de 1993, Alcione Albanesi pisou pela primeira vez no sertão nordestino. Reuniu 20 amigos, arrecadou 1.500 cestas básicas e partiu de São Paulo rumo a Recife. De lá, o grupo seguiu para o semiárido pernambucano, avançou caatinga adentro e se deparou com o que chama de “um outro país dentro do nosso país” — um cenário de dor, abandono e miséria.

Ninguém conseguia esquecer o que via nos lugares que passaram e, assim, nasceu a Amigos do Bem, em 1993. Durante uma década, o projeto era levar comida, roupas e remédios para a região nordestina durante o período de Natal e Ano Novo. “Nosso fim de ano era sempre por lá, sempre ajudando”, conta a filha, Caroline Albanesi.

Em 2003, encontrou Dona Geralda. “Estávamos no Ceará, ela chegou após andar seis quilômetros com elefantíase nas pernas. Quando fui levá-la para casa, ela me ensinou a receita da fome: coloca-se muita água no fogão e apenas um pouco de feijão. Ela deixava os filhos comerem primeiro, porque eles ainda tinham a vida toda pela frente. Após ouvir isso, reuni meus amigos e disse que não poderíamos apenas ser Papais Noéis. Iríamos transformar vidas para valer.” Alcione percebeu que aquele novo projeto precisava ser grande. Hoje, os números são gigantescos: 11 mil voluntários, 1.500 postos de trabalho, 1 milhão de atendimentos educacionais por ano. A ONG também soma quatro Cidades do Bem (em Catimbau e Inajá, em Pernambuco; São José da Tapera, em Alagoas; e Mauriti, no Ceará) com casas de alvenaria para substituir as de barro, 75 poços perfurados e nove caminhões pipa distribuindo água. Tudo é auditado, com a operação da Amigos do Bem tocada por Alcione de São Paulo, e dez dias por mês no Nordeste, acompanhando tudo de perto. A instituição está presente em 300 povoados no interior profundo de Pernambuco, Alagoas e Ceará. Criou um modelo de desenvolvimento social sustentável que rendeu o título, pelo Pacto Global da ONU Brasil, de liderança de impacto do ODS 1, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável que trata da erradicação da pobreza.

Pessoas normais e indignadas transformam vidas

As ações sociais da Amigos do Bem são sustentadas por doações de pessoas físicas e empresas, auditadas anualmente, e pela venda de produtos dos projetos de geração de renda da ONG, como castanhas, conservas, doces, brindes corporativos e artesanato. O impacto do trabalho comandado por Alcione foi estudado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), que analisou o retorno sobre investimento social (SROI, na sigla em inglês) da Amigos do Bem. A metodologia propõe uma análise comparativa entre o valor dos recursos investidos em um projeto social e o retorno que gera para a sociedade, e o resultado foi surpreendente: para cada R$ 1 investido pela Amigos do Bem nas comunidades, o retorno médio ficou em R$ 6,45. Ao longo de dez anos seus investimentos geraram benefícios estimados em R$ 2,1 bilhões.

Hoje, ajudam o bebê que nasce naquela região, oferecendo um enxoval completo, garantindo sua alimentação, desenvolvimento e o auxiliando até a faculdade. “Temos quatro escolas e já fornecemos mais de 500 bolsas de estudo para a faculdade, temos centros de transformação com aulas de reforço escolar, atividades extracurriculares e cursos profissionalizantes. Chegamos a 15 unidades produtivas, com mais de 200 mil pés de caju. Duas fábricas de beneficiamento de castanha em Pernambuco e no Ceará, centros de saúde, oito
consultórios médicos e odontológicos e seis ambulâncias para remoção de emergência”.

Para tudo isso acontecer, Alcione precisou, claro, do apoio de casa. “Não daria para fazer nada sem minha família. Meu marido, meus quatro filhos. Aliás, quando alguém se interessava por um filho meu, antes de qualquer coisa, o que eu perguntava era se estava disposto a ir para o Nordeste ajudar na Amigos do Bem. Para entrar na família, tem que ajudar. E todos ajudaram”, explica.

Com muito feito e sabendo de tudo que ainda precisa fazer para transformar a vida das pessoas no nordeste brasileiro, estar na presença dos netos é o que recarrega as energias de Alcione — são sete ao todo. Formada em psicologia, costuma dizer que tem uma missão, mas não quer ser chamada de missionária. “Eu não sou especial. Sou só uma pessoa normal e indignada. E, atualmente, o mundo precisa de mais pessoas
normais e indignadas, que saibam que não podem fazer tudo que devem, mas devem fazer tudo que podem”.