Experiência da ONG Amigos do Bem no sertão nordestino mostra que é possível romper ciclo de pobreza combatendo evasão escolar e desnutrição
Quando cheguei ao sertão nordestino pela primeira vez, em 1993, não imaginei o impacto profundo que essa jornada teria na minha vida e na vida de tantas pessoas. O que me impulsionou a começar esse trabalho foi uma grande indignação.
Eu via um cenário desolador: o sertão era um verdadeiro país dentro do nosso Brasil. As crianças estavam nuas ou com roupas rasgadas, faltava acesso à energia elétrica e, em muitos povoados, as pessoas nem sabiam em que ano estavam vivendo. Era uma realidade dura e cruel, um verdadeiro retrato de miséria e abandono.
Reuni um grupo de amigos e começamos a levar alimentos, roupas, brinquedos, colchões e cadeiras de rodas. Nossa missão era simples, mas grandiosa: diminuir o sofrimento e dar alegria e esperança àqueles que mais precisavam.
Ao longo de três décadas, nossa pequena ação cresceu e, hoje, cerca de 150 mil pessoas são atendidas, todos os meses, em 300 povoados vulneráveis dos estados de Alagoas, Pernambuco e Ceará.
Com a ONG Amigos do Bem, levamos nossa perspectiva de trabalho, educação, saúde, moradia e vida. Mostramos que havia caminhos para além da realidade que eles conheciam, de fome, miséria e trabalho na roça. Sabíamos que a educação era a base para romper aquele ciclo de pobreza secular na região e que o ensino de qualidade era possível apesar de todos os desafios encontrados.
Em 2011, demos início aos nossos projetos na área de educação. Passamos a apoiar escolas municipais e criamos quatro centros de transformação – complexos com mais de 3.000 m² cada, que somam 100 salas de aula para atender 10 mil crianças com 23 oficinas e atividades extracurriculares.
Enfrentamos o desafio da distância, tanto em São Paulo e o sertão, quanto entre os nossos centros e as crianças, que vivem isoladas em comunidades extremamente carentes. A frota de quase cem ônibus escolares dos Amigos do Bem percorre diariamente até 30 km das nossas escolas até os povoados mais afastados.
Combatemos a evasão escolar e a desnutrição, oferecendo mais de seis refeições nutritivas e diárias para crianças e jovens. De barriga vazia ninguém consegue estudar e se desenvolver.
Com uma equipe de mais de cem voluntários de área pedagógica, criamos um metodologia própria adaptada à realidade das crianças que ali vivem. Todos os meses viajamos para o sertão para acompanhar de perto alunos e capacitar professores.
A relação próxima e o olhar humano e sensível com educadores e famílias atendidas são fundamentais para o desenvolvimento das nossas crianças e para efetividade das nossas ações e metodologia.
Hoje, podemos falar de futuro. Já temos uma geração transformada: filhos de pais analfabetos que estão alcançando grandes resultados por meio da educação. É a transformação acontecendo pela base.
Os nossos educadores locais foram as primeiras crianças atendidas pelo projeto, que se tornaram alunos bolsistas pela instituição. É o bem se multiplicando e gerando frutos. Já falamos de legado.
Prova disso é a mais recente conquista da nossa escola de Inajá, no sertão de Pernambuco, que alcançou 9,2 no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), uma das melhores notas do país, superando a média nacional de 5,8 para o ensino fundamental e o desempenho de 7,0 das melhores escolas particulares de São Paulo.
Antes dos Amigos do Bem, uma década atrás, o índice dessa escola em Inajá era 2,9. Números se inverteram e a realidade das nossas crianças também: o trabalho na roça ficou no passado.
Milhares de crianças agora têm um futuro promissor. A escola de Inajá, que fica em uma região historicamente desafiadora, com um dos IDHs (Índices de Desenvolvimento Humano) do país, está fazendo história no projeto e mostrando que transformar é possível. As nossas escolas de Alagoas e Ceará também performaram com notas muito acima da média.
Acredito que esse resultado se deve de forma como atuamos. Erguer paredes é trabalho mais fácil. O desafio é cuidar das pessoas e formar indivíduos que sejam protagonistas da mudança.
Estamos muito próximos das famílias. A transformação que estamos promovendo não é apenas nas crianças, mas em toda a comunidade.
Sempre digo que que tem fome não é livre, e quem não sabe ler e escrever também não é. Sonho com um Brasil em que as desigualdades sejam um passado distante, e que cada criança tenha oportunidade de um futuro melhor.
A miséria tem solução, e a educação é o caminho para a mudança que queremos. Com essa visão, seguimos em frente, comprometidos em fazer a diferença e em construir um país mais justo para as futuras gerações.
A missão é de todos nós, brasileiros, e tem sido abraçadas por tantas outras iniciativas sociais. Obrigada a todos que seguem conosco nesta caminhada do bem.