Matéria publicada pela Revista Valor Econômico em 27/05/2024 – Por Andrea Vialli De Salvador
Foi entre o Natal de 1992 e a virada de ano de 1993 que Alcione Albanesi pisou, pela primeira vez, no sertão nordestino. Decidida a promover um final de ano solidário, ela reuniu 20 amigos, arrecadou 1.500 cestas básicas e partiu de São Paulo rumo a Recife. De lá, o grupo seguiu para o semiárido pernambucano e foi encontrando vilarejos muito carentes. À medida que avançava Caatinga adentro, Albanesi se deparou com o que chama de “um outro país dentro do nosso país” – um cenário de dor, abandono e miséria. “Não imaginava que existiam pessoas que viviam ali sem um registro de nascimento, em casas de barro onde faltava tudo, com crianças assustadas que corriam para o mato seco quando viam alguém chegar. Aquela viagem me transformou.”
A indignação foi o combustível para Albanesi criar a Amigos do Bem em 1993. Paralelamente, administrava uma empresa que fundou, a FLC Lâmpadas. Após vendê-la, em 2014, passou a se dedicar totalmente ao empreendedorismo social.
Hoje, os números da Amigos do Bem impressionam. Com um exército de quase 11 mil voluntários ativos que atuam nas áreas de educação, trabalho e geração de renda, acesso à água, moradia e saúde, a instituição está presente em 300 povoados no interior profundo de Pernambuco, Alagoas e Ceará.
Nesses 31 anos, Albanesi deu vida a um modelo de desenvolvimento social sustentável que já rendeu muitas premiações e lhe conferiu o título, pelo Pacto Global da ONU Brasil, de liderança de impacto do ODS 1, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável que trata da erradicação da pobreza.
“Embora pudéssemos aliviar a fome com a doação de alimentos, isso não quebrava o ciclo da miséria. Queríamos ser mais que assistencialistas, queríamos ser transformadores daquela realidade”, diz. As ações sociais da Amigos do Bem são sustentadas por doações de pessoas físicas e empresas, auditadas anualmente, e pela venda de produtos dos projetos de geração de renda da ONG, como castanhas, conservas, doces, brindes corporativos e artesanato – essa vertente custeia em torno de 30% das ações, mas Albanesi busca aumentar essa fatia e tornar a organização mais autossustentável.
O impacto do trabalho comandado por Albanesi foi estudado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), que analisou o retorno sobre investimento social (SROI, na sigla em inglês) da Amigos do Bem. A metodologia propõe uma análise comparativa entre o valor dos recursos investidos em um projeto social e o retorno que gera para a sociedade, e o resultado foi surpreendente: para cada R$ 1 investido pela Amigos do Bem nas comunidades, o retorno médio ficou em R$ 6,45 – no cômputo geral, ao longo de dez anos, seus investimentos geraram benefícios estimados em R$ 2,1 bilhões. Por trás dos resultados, há uma gestora incansável.
A empreendedora social passa metade do mês no sertão nordestino, coordenando os projetos nos quatro Centros de Transformação mantidos pela ONG nas cidades de São José da Tapera (AL), Mauriti (CE), Vale do Catimbau e Inajá (PE), onde sempre é recebida com festa, principalmente pelas crianças – tal como uma fada-madrinha. Na metade do mês que passa na cidade de São Paulo, trabalha cerca de 14 horas por dia no QG da Amigos do Bem, localizado na zona leste. “Durmo pouco, oro muito, sou exigente e busco a excelência em tudo. Fazer o bem dá trabalho.”
Alcione Albanesi
Presidente e fundadora da Amigos do Bem
Empresas onde trabalhou: FLC Lâmpadas
Formação: psicologia
Matéria predileta na escola: história
Me tornei CEO com: 19 anos
No fim de semana gosto de: estar com a família e brincar com os meus netos
Café da manhã, almoço ou happy hour: almoço
Desligo o celular quando: nunca
O que salva um dia: um gesto de solidariedade
O que acaba com um dia: o mau humor
OS PREFERIDOS
Time: São Paulo
Drinque ou sobremesa: musse de chocolate do meu filho
Livro: “Vivendo, Amando e Aprendendo”, de Leo Buscaglia
Personagem: Mahatma Gandhi
Hobby: cozinhar, viajar, estar com os amigos e a família.